terça-feira, março 02, 2010

O DESEJO DE UM SORVETE
Doeu-me o coração sábado á tarde quando voltava do supermercado. Já se tornou hábito aos sábados ir ás compras para a semana. Para chegar ao supermercado tenho que obrigatoriamente passar em frente a uma dessas casas chamadas geriátricas, mas que na verdade são verdadeiros depósitos de pessoas idosas que, no fim da vida, são ali jogadas pelos parentes que não querem mais compromisso com aqueles que um dia lhes deu a vida.A cena transcorreu mais ou menos assim: do outro lado do portão gradeado uma senhora aparentando seus 85 anos chamou-me a atenção.

- Psiu... Psiu... moço! Dirigi-me a ela que foi logo adiantando o que queria:

- Será que você pode me acompanhar até ali (apontou para uma sorveteria próxima) para eu comprar um sorvete?

Respondi que era impossível, pois teria que ter autorização da casa e que era muito complicado eu querer satisfazer seu desejo, mesmo que quisesse ir à sorveteria e comprar-lhe um sorvete. Fiquei com pena da velhinha e ao mesmo tempo revoltado com seus desconhecidos parentes, que para levar uma vida descompromissada com a assistência a sua mãe, preferiram confiná-la nessa casa geriátrica ou asilo.

Foi emocionante o apelo daquela velhinha!

Ela queria e desejava um sorvete, apenas. Continuei meu caminho pensando: como pode uma mãe ou um pai ver-se nessa situação, o que passa na cabeça dessa gente ao ficar alheada da vida familiar e do mundo? Deve ser muito triste!Freqüentemente se fala da solidão no idoso, mas a verdade é que a solidão é algo que toca a todas as idades. Não importa a idade que se tenha raça ou credo, ela provoca dor e sofrimento.

Fico imaginando uma pessoa por mais conforto que possam oferecer o asilo ou casa desse gênero vivendo fechada, tolhida da liberdade de passear, ir a uma praça, caminhar... Deve ser muito acabrunhante.

A velhinha era tão simpática e senti tanta pena dela, que me deu vontade em pedir licença para o responsável por ela se ele deixasse passar um dia em minha casa, conviver nem que fosse uma tarde apenas, mas desisti. De repente poderia ser mais prejudicial para ela.

O que ocorre é que segundo a cultura latino-americana, não temos respeitado o direito dos idosos. Casualmente li uma declaração do Dr. Rubén Hernández, psiquiatra venezuelano reconhecido internacionalmente sobre a solidão na velhice. E ele ensina: "Toda a pessoa de idade avançada requer companhia e a solidão é a pior inimiga de uma pessoa que se encontra na terceira ou quarta idade (50 a 100 anos). A pessoa se torna muito exigente devido às mudanças biológicas que sofreu: perda da memória, transtornos de conduta, perda da capacidade de administrar os seus bens. Pode inclusive padecer do mal de Alzheimer".

A morte neuronal produz mudanças drásticas na personalidade de um indivíduo: as idéias paranóicas começam a se manifestar por todos os lados – geralmente como conseqüência da perda da memória – o que gera uma grande quantidade de conflitos familiares. Mas a atividade física pode fazer do envelhecimento um processo mais lento.

Além do fato de que, na maioria das vezes, os idosos não podem subsistir por si próprios (regressam a uma etapa quase infantil de dependência), isto traz a realidade de não contarem com alguém que lhes ofereça o carinho que necessitam o que pode chegar a lhes deprimir de maneira muito severa. Cada pessoa, explica o Dr. Hernández, deve assumir a sua responsabilidade: “se nossos pais nos deram a oportunidade de nos formarmos e nos educarmos, nós temos a obrigação de oferecer-lhes os cuidados que necessitam ao final de suas vidas. A melhor terapia para vencer a solidão é a integração familiar”, sem dúvida.

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