UM CASO DE SAÚDE
Não há cidadão neste país, órgão de imprensa, articulistas, em fim, a mídia em geral, que diga algo em favor da política brasileira de saúde do INSS ou SUS.
A Constituição garante, mas o Estado não cumpre; se cumpre, não é eficiente e competente o suficiente para dar o tratamento universal aos brasileiros. Se você contesta que a saúde tem problemas de gerenciamento, o ministro da pasta apressa-se em desmentir e dizer que é tro-lo-ló de jornalista; se você reclama das filas e do atendimento dos hospitais, dizem que falta dinheiro e que, para tanto, deve-se pensar em criar uma fonte de arrecadação, como falam alguns dos caras de pau dos governadores recém eleitos amancebados com senadores, deputados federais e prefeitos.
Tirei o fim de semana para acompanhar uma mulher portadora de doença neurológica que necessita de atendimento pelo SUS, porque não pode pagar médico particular.
O problema dessa paciente é uma doença chamada esclerose múltipla. Os sintomas iniciais provocam visão dupla ou turva, distorção das cores vermelha/verde, ou até cegueira em um dos olhos, além de outras complicações. A maioria das pessoas experimenta fraqueza muscular nas extremidades, dificuldades de coordenação e equilíbrio, sintomas esses que podem ser fortes o suficiente para prejudicar a caminhada e até ficar de pé, e nos piores casos, produz paralisia parcial ou completa. Para a esclerose múltipla ainda não existe cura.
Do encaminhamento da doente e entrevista inicial, nota 10. A paciente não enfrentou fila, não demorou a ser atendida, teve sua consulta marcada para dois dias depois; uma maravilha. Eu cá com os meus botões fiquei pensando: como tem gente de boca grande que fala mal do SUS. Brasileiro tem a mania de reclamar! – pensei.
Segundo dia de acompanhamento.
Em dia e hora marcados, abre-se a porta do consultório e o Dr. convida a nossa paciente a entrar. A consulta demora cerca de 20 minutos. Até aí tudo nota 10.
- Que maravilha! Puxa vida! – suspira a paciente. E tem gente que fala mal do SUS! Veja só, não tivemos dificuldade alguma, diz a senhora doente, sussurrando aos meus ouvidos, enquanto o médico preenchia um relatório do caso a ser tratado pelo especialista.
Concluída a consulta o Dr. pede que a paciente retorne ao guichê de atendimento para finalmente marcar a consulta com o neuro.
O que era nota 10, felicidade, alegria, em poucos minutos transformou-se em decepção, desapontamento, desilusão... A notícia que veio da secretária, é que a mulher doente que precisa de um médico neurologista para animá-la e dar-lhe o tratamento adequado, só daqui a oito meses. Eu disse oito meses. Vou repetir novamente, oito meses! Este é o SUS.
Como esta mulher vai suportar a espera de todo esse tempo tendo crises de ausência, enformigamentos nos braços e mãos, dores de cabeça, tonturas, visão turva, desequilíbrio?
Inconformado com a decepcionante notícia de que só daqui a oito meses haverá vaga para ser examinada fui verificar a possibilidade de a doente receber tratamento fora de domicílio, e descobri que a legislação obriga o Estado fornecer aos portadores de doenças especiais de média e alta complexidade, tratamento urgente ou então fora de domicílio. É o caso dessa mulher, e previsão legal. Ela me disse que por duas vezes, recorreu à Secretaria da Saúde e lamentavelmente, o tratamento lhe foi negado. Olha só o que diz a Constituição:
“A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado promover as condições indispensáveis ao seu bom exercício”. O texto do artigo 198, II, manda que “o atendimento à saúde seja integral, o que significa, na medida em que as palavras têm valor, que todas as doenças e enfermidades serão objeto de atendimento, por todos os meios ao dispor da medicina moderna”.
Charles Degaulle, presidente da França, disse certa vez que “o Brasil não é um País sério”. Houve uma revolta e protestos. O velho general tinha razão. De fato, no Brasil as coisas não são tratadas com seriedade. O caso acima é um deles.