sexta-feira, maio 22, 2009

SEBO

Sebo, com “s”, segundo a definição do nosso dicionário da língua portuguesa, é nome popular dado a livrarias que compram, vendem e trocam livros usados. Os preços dos livros vendidos em sebos ou alfarrabistas são geralmente mais baixos, com exceção de livros raros, autografados, primeiras edições, os que levam encadernações de luxo, que podem ter um custo maior por seu valor histórico. Estas lojas de livros usados costumam ser bastante freqüentadas por curiosos, estudiosos e colecionadores. Pois, ontem não tinha o que fazer, visitei uma dessas casas. Foi meu debut, nunca antes havia entrado em um sebo. Fica na Av.Protásio Alves.
Em Porto Alegre existem dezenas desses estabelecimentos. Como tinha tempo, comecei a olhar a quantidade de obras antigas e semi-novas existentes, e entre milhares, encontrei um livro que traz como título “O Moço de Erechim”, cujo autor é Marinho Kern, gaúcho de Lajeado, ex-bancário, que por muitos anos viveu em nossa cidade, tendo se destacado como líder sindical bancário, militante político do Partido Comunista Brasileiro, preso político em 1964 e Rotariano.
O livro está autografado a Matias Lorenzon com uma dedicatória, certamente no dia do lançamento em novembro de 1987. “O Moço de Erechim” contém 126 páginas de humor, realismo e humanismo e se traduz em uma história real, com personagens fictícios, todos da mesma família, com destaque para a figura central, Armando Molari. Os que viveram há época, percebem logo nas primeiras páginas a coincidência com um sujeito que era muito esperto e que, de vendedor de bananas, chegou a ter uma vida até certo ponto opulenta.
Eu conheci o personagem de Marinho Kern. Foi graças a ele que em 1980, pela primeira vez, estive no Rio de Janeiro. A seu convite, fui assessorá-lo junto a um órgão governamental, como procurador que era de uma empresa que explorava o serviço de balsa, pois enxergava pouco e alguém de sua confiança, obrigatoriamente, nessas ocasiões, tinha de acompanhá-lo. Gabava-se muito das suas aventuras fora da Lei e ter convivido na sua juventude com o famoso facínora “Sete Dedos” no demolido presídio Carandirú, em São Paulo. Teve várias passagens pela polícia como contrabandista de pneus da Argentina, na época da 2ª. Guerra Mundial; falsificava dinheiro e chegou a cometer alguns crimes de estelionato. Vale à pena contar uma aventura de Armando Molari, que não está no livro, mas que gostava de contar quando provocado. Após ter sido condenado a cumprir pena no presídio da cidade, que ficava nos porões da Prefeitura, Molari prometeu ao delegado de polícia que iria fugir. Antecipou ao delegado que serraria as grades e lhe mandaria pelo correio. O delegado não lhe deu importância. A deficiência visual era tão acentuada, que seu nariz atrapalhava para ler e, portando, seria impossível realizar tal façanha.
Meses depois, Molari cumpriu a promessa e fugiu. Naquele tempo era permitido rádio na cela, e a Rádio Erechim, há pouco inaugurada, durante a programação da tarde, reservava algumas horas para homenagens aos aniversariantes do dia, ou seja, os familiares e amigos dedicavam músicas aos aniversariantes com mensagens de felicidades e muitos anos de vida. Numa dessas tardes, Armando Molari recebera no interior de um pão-de-ló uma serra de aço para serrar ferro. Ela foi o instrumento usado para serras as grades, por onde ele fugiu. Como despiste usou o volume do rádio um pouco mais alto do que o normal e o serviço foi concluído. Semanas após o delegado recebeu, como ele prometera pelo correio um pacote com as barras de ferro e o seguinte bilhete: Dr. Delegado, como lhe prometi fugi da cadeia. Estas barras de ferro não me pertencem, por isso estou lhe devolvendo. Saudações, Armando Molari. Foi uma de tantas façanhas debochadas de Molari, às autoridades da época.
Armando Molari tinha muitas histórias. Morreu estupidamente de acidente com sua Brasília quando retornava de sua chácara no interior do município. Ele bateu contra um poste tendo fraturado o crânio e recebido ferimentos pelo corpo. Mesmo assim, resistiu por cerca de 15 dias no hospital e acabou falecendo.

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