terça-feira, maio 04, 2010

LENTIDÃO NOS PROCESSOS JUDICIAIS ELEVA AGONIA DE VÍTIMAS DE TRÂNSITO
Esta notícia lí no Jornal ESTADO DE MINAS: “A lentidão nos processos judiciais referentes aos crimes de trânsito é o veneno que mantém a angústia de familiares dos mortos em acidentes automotivos envolvendo bebida alcoólica. Até mesmo aqueles que saíram vivos de batidas causadas por motoristas alcoolizados amargam a demora e cobram Justiça. A espera por uma sentença final e justa pode se arrastar por mais de uma década, como no célebre caso de Mar de Espanha e Bicas, na Zona da Mata, em que dois condutores acusados de disputar um pega embriagados mataram cinco pessoas. Passados 14 anos, a história chegou ao Supremo Tribunal de Justiça e ainda está à espera de decisão. Para quem está de mãos atadas, falta paciência e sobra desconfiança na máxima de que a Justiça tarda, mas não falha. De acordo com o promotor de Justiça do 2º Tribunal do Júri de Belo Horizonte, Francisco de Assis Santiago, a demora da Justiça se deve ao fato de que “aqueles que têm condições financeiras conseguem recorrer enquanto é possível”. Essa constatação fica evidente nos seis casos de acidentes de grande repercussão em Belo Horizonte pesquisados pelo Estado de Minas. “ A Lei Seca só causou impacto no início. Perdeu-se o medo da punição”, acrescenta. Em Belo Horizonte, desde que junho de 2008, quando entrou em vigor a Lei Seca, até março deste ano, foram distribuídos 2.167 processos de crime de trânsito em primeira instância. No mesmo período, 1.484 foram julgados, o que não significa que houve sentença final. Em 2007 e 2008, foram 4.721 processos distribuídos em primeira instância e 1.261 julgados. “Hoje há um avanço muito grande nos resultados. Atualmente, temos início, meio e fim nos andamentos”, aponta a juíza titular da 1ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Maria Isabel Flepk, ao dizer que a sua expectativa é de que até dezembro deste ano todos os processos referentes a crime de trânsito distribuídos em 2008 na cidade sejam julgados. “Aqueles que chegaram em 2009 serão julgados no ano que vem”, avisa. De acordo com ela, atualmente há apenas duas varas responsáveis pelos crimes de trânsito em BH. “Até junho do ano passado, os processos de crimes de trânsito eram distribuídos entre 11 varas criminais. Agora, a 1ª e 12ª varas ficaram responsáveis por todos os processos de trânsito. Além deles, respondemos por outros, como crimes ambientais, contra idosos ou porte de armas”, enumera. Segundo ela, por mês são julgados, em média, 20 processos de homicídio de trânsito e 80 de embriaguez ao volante, isso em cada uma da duas varas. “Julgamos todos os processos distribuídos até 2005. Mas temos observado que nos últimos meses, tem havido uma queda na distribuição de processos. O número de casos que chegavam à média de 80 caiu pela metade. O motivo pode ser a falta de um patrulhamentoostensivo ou a retenção desses casos na delegacia”, alerta. Enquanto isto os crimes de trânsito ficam sem punição, uma novela que se repete, com um fim que quase sempre pode ser resumido na mesma palavra: impunidade. Crimes de trânsito causam repercussão, inquéritos, processos e até julgamentos, mas, quando se tem como recorrer, raras as vezes o culpado recebe punição exemplar. Um caso emblemático completou um ano no último dia 17 abril: o francês Olivier Rebellato, então com 20 anos, debochou da mansidão das leis no Brasil, depois que bateu o Captiva que dirigia em um Mercedes Classe A, no qual estavam cinco jovens, na Região da Savassi. Embriagado, o rapaz, mesmo sabendo do estado grave em que estavam as vítimas, afirmou: “Estou no Brasil e aqui nada acontece”. O pior é que, pelo desenrolar do caso, o estrangeiro parece estar certo. No fim do ano passado, ele voltou ao seu país, graças a uma decisão da Justiça brasileira, que lhe devolveu o passaporte apreendido no dia do acidente, acreditando que, por responder a processo de trânsito, o rapaz não sairia da cidade. Desde então, Olivier não pôs mais os pés em território brasileiro. Vive hoje em Paris, mas deixou para trás marcas: uma das passageiras do Mercedes Classe A, a jovem Josiane Ramos, de 28, até hoje permanece em estado vegetativo. O caso é apenas um entre muitos de desfecho parecido. Durante a última semana, o Estado de Minas procurou familiares de vítimas de acidentes de maior repercussão em Belo Horizonte nos últimos anos para descobrir qual a situação atual dos casos. Nenhuma das seis famílias procuradas pelo EM conseguiu ainda decisão final da Justiça. Entre os entrevistados, a opinião é unânime: ninguém acredita nas leis brasileiras. A lentidão no julgamento é um dos motivos dessa postura. Desde que foi implantada a Lei Seca, em junho de 2008, nada menos do que 12.675 processos relacionados a trânsito foram distribuídos em Minas Gerais em primeira instância. Até março, 6.709 foram julgados, o que não garante que chegaram a um desfecho, já que pode ter havido ou não recurso, segundo informou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). A promessa do Fórum Lafayette de Belo Horizonte é julgar até o fim do ano os processos distribuídos até 2008. No entanto, os que chegaram à Justiça em 2009 só estarão nas mesas dos juizes no ano que vem. Luiz Henrique de Souza, de 40, que perdeu uma filha de 4 anos em acidente causado por dois jovens acusados de disputar um pega, acoolizados, em 2004, pergunta: “O que é Justiça? Ela existe?” Hoje, os acusados aguardam em liberdade o resultado do processo. Para Luiz, restaram tristeza e lembranças da pequena Yanka. O veículo de Fernando Paganelli foi atingido por outro, cujo motorista dirigia na contramão, em 2008. A viúva, com seqüelas de um AVC, não desistiu de pedir punição. Além da descrença, a impunidade também deixa seqüelas físicas. Exemplo disso é a viúva Ana Cristina Paganelli, de 41, que perdeu o marido Fernando Felix Paganelli, em 2008, em um acidente causado por um jovem de 22 anos, acusado de beber demais e dirigir na contramão da Avenida Raja Gabaglia. Ana teve um acidente vascular cerebral (AVC) devido ao desgaste emocional, que atingiu os membros e a fala. Atualmente, depois de muitas sessões de fisioterapia, Ana recuperou os movimentos, mas ainda não consegue falar, apenas balbucia alguma palavras. “Jus-ti-ça”, murmura, com dificuldade, ao ser perguntada sobre o que espera do caso que ainda se arrasta. “Tenho certeza de que a maioria dos réus que foram julgados em crimes de trânsito apenas prestou serviços à comunidade ou pagou a pena doando cestas básicas”, dispara o promotor de Justiça do 2º Tribunal do Júri da capital, Francisco de Assis Santiago. De acordo com a juíza titular da 1ª Vara Criminal de Belo Horizonte, Maria Isabel Flepk, dos 20 casos de homicídios no trânsito da capital julgados mensalmente, em média 15 réus recebem como pena a prestação de serviços para a comunidade. “Não há espaço nas cadeias para colocar esse tanto de gente que mata na direção. Sem contar que, no julgamento, é levado em conta a reincidência do acusado, boa personalidade e motivos justificados”, explica. A maioria dos acidentes de trânsito no Brasil que acabam em mortes é julgada como homicídio culposo, ou seja, sem a intenção de matar. Nesse caso, a punição pode chegar a até quatro anos e, dependendo da situação, pode haver a substituição de pena, com punições como prestação de serviços à comunidade. Outra tipificação possível é o dolo eventual. Isso ocorreria quando o motorista não pretendia, mas assumiu o risco de provocar a morte. Enquadram-se nessa interpretação condutores embriagados, em alta velocidade ou sem carteira de habilitação. Nessa condição, o crime pode render até 20 anos de cadeia ao culpado. Porém, o dolo eventual para tipificar crimes de trânsito divide o meio jurídico e vem sendo derrubado em tribunais superiores. “Enquanto os casos não forem qualificados como homicídio com dolo eventual, o número de crimes não vai diminuir. A punição para homicídio culposo é branda e quase sempre acaba em prestação de serviços”, critica o promotor Francisco Santiago.

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